É triste constatar o quão pode ser equivocado a divulgação de um longa metragem em nosso país. O título que o novo filme de William Friedkin herdou por aqui, “Possuídos”, tem certa coerência, mas nos passa a impressão de que trabalha com uma premissa totalmente distante da escrita por Tracy Letts. Houve também o apoio da obra máxima do cineasta, o clássico “O Exorcista” – mas, ao contrário do que anuncia, Friedkin conquistou o Oscar por “Operação França”, enquanto “O Exorcista” ficou somente com a vitória de roteiro adaptado e som. Mas “Bug” não se limita apenas nos elementos do terror/suspense. Temos sim inúmeros sinais que nos remete ao gênero, mas a verdadeira alma da obra é inquestionavelmente dramática. Vendo com expectativas contrárias, tenha certeza de que se decepcionará bastante. Ao contrário, prepare-se para comprovar uma extraordinária esperiência como nunca se viu.
A fita que causou alvoroço entre a platéia de Cannes no ano passado e dividiu opiniões na estréia americana, deu o merecido prêmio na mostra Quinzena dos Realizadores para o diretor Willian Friedkin, retornando aos bons tempos que lhe rendeu fama no início da década de 70. É importante averiguar que a perda do prestígio talvez seja pelos roteiros irregulares que aceitou dirigiu. Não é difícil notar que consegue cumprir as tarefas básicas de um bom diretor ao criar boas sequências, a exemplo de uma eletrizante perseguição de carros no suspense “Jade”, mas a história armada de Joe Eszterhas sempre dá a impressão que acabamos de encarar uma espécie de “Instinto Selvagem” de segunda. O roteiro perfeito foi encontrado em 2006, onde surge Bug, filme que conta a melancólica vida de Agnes (Ashley Judd, na melhor atuação feminina dos últimos tempos, que o formalismo óbvio do Oscar infelizmente deve esquecer), alcoólatra, viciada em drogas e garçonete em noturno bar lésbico. Fora do emprego, ela é assombrada pelo trauma da perda misteriosa do filho e pelo ex-marido violento Jerry Gross (o ator e também cantor Harry Connick Jr.), recém-saído da prisão. Enfrentando a mesma rotina todos os dias, Agnes é apresentada durante o trabalho a um sujeito tímido chamado Peter (Michael Shannon) pela amiga R.C. (Lynn Collyns, excepcional em todos os momentos em cena). É nesta mesma noite que Agnes e Peter começam a se conhecer, trocar impressões e se apaixonar instantaneamente. O único problema é a paranóia que surge a seguir: Peter, que já fora soldado na Guerra do Golfo, acredita que todo o seu corpo está repleto de insetos.
Quando ambos liberam todos os segredos do passado, temos a breve impressão de que os efeitos da guerra é um dos temas propostos para serem discutidos ao término da sessão, mas a força de “Bug” não se resume a isto. O que vemos na tela é toda a tristeza que uma pessoa pode chegar quando o limite tolerável da solidão surge, além de um casal que parece encontrar a felicidade ao isolar-se do mundo – um lugar imenso que alimenta a cada dia violência, perda e miséria. É assim que nos identificamos e compreendemos a postura de Agnes enquanto ao estado de Peter: a loucura é uma saída para quem desistiu de viver desde quando o maior exemplo de sua até então eterna motivação de vida sumiu repentinamente, que seria o seu próprio filho. É isso que o filme representa ao público, ainda que proporcione a nós um horror insuportável (a sequência onde Peter está ciente de que a dor em um dos seus dentes seja por uma possivel bolsa de ovos é arrepiante). Choca, causa aversão e testa nossos limites. Enfim, uma grande obra-prima.
Título Original: Bug
Ano de Produção: 2006
Direção: William Friedkin
Roteiro: Tracy Letts, baseado em sua peça
Elenco: Ashley Judd, Michael Shannon, Harry Connick Jr., Lynn Collins e Brian F. O’Byrne.
Cotação: