Interstellar, de Christopher Nolan
Christopher Nolan é um cineasta com uma carreira iniciada através de projetos de uma pequenez que jamais ofuscava as suas grandes ambições. Com a realização da trilogia “Batman” e a consagração com “A Origem“, o inglês foi considerado uma espécie de pantaleão ao promover em Hollywood uma ousadia cada vez mais rara de ser viabilizada: a materialização de um argumento original com um orçamento bem inchado para cobrir todos os seus caprichos.
O problema em se atingir este feito é que há a constatação automática de que há algo genial a ser visto, mesmo que a obra em questão tenha a sua própria substância comprometida por uma série de escolhas inconsequentes que conferem uma roupagem desastrosa em elementos consagrados. Dar uma olhar “realista” (muitas aspas, por favor) em um herói notório pelo universo fantástico que habita e tornar extremamente racional um campo de sonhos é o mesmo que mexer em vespeiro.
Em “Interestelar”, Christopher Nolan, com o suporte de seu irmão Jonathan Nolan no roteiro, encontra um outro modo de alçar voos mais altos do que sua própria imaginação é capaz de suportar. Isso fica patente já na sequência que abre os créditos de “Interestelar”, em que idosos relatam como eram os tempos em que a narrativa irá cobrir a seguir. É dito que uma tempestade de areia tornou a Terra um planeta incapaz de continuar sendo habitado enquanto takes mostram o quanto isso devasta os nossos recursos naturais. Claro que outros takes de pratos virados para baixo em uma mesa coberta de areia serão exibidos enquanto uma senhora diz exatamente como lidava no lar com as adversidades provocadas pelo fenômeno. Se um diretor se permite a ilustrar didaticamente o que é dito, como se encantar com as possibilidades de sua ficção científica?
Após descobrir com a sua filha Murph (Mackenzie Foy) uma estação secreta da NASA, Cooper (Matthew McConaughey), antes um astronauta e agora um viúvo enclausurado em uma vida no campo, é convocado para liderar uma expedição espacial em busca de um planeta que possa ser habitado pelos humanos.
Encarar o desconhecido contém os seus riscos e as chances de Cooper, Brand (Anne Hathaway), Doyle (Wes Bentley) e Romilly (David Gyasi) – além de um robô com o pior design do cinema chamado TARS (voz de Bill Irwin) – retornarem à Terra com boas notícias são mínimas, especialmente pela busca incluir um desembarque no planeta Miller, cuja distorção de tempo faz com a cada uma hora de permanência se converta em sete anos na Terra. Claro que a trupe se comporta do modo mais desastroso possível, o que resulta na morte de um deles e a transformação de Mackenzie Foy em Jessica Chastain – reparem que Michael Caine, pai da personagem de Anne Hathaway, não é submetido a qualquer maquiagem para registrar a passagem do tempo em sua face.
Se não bastasse contar com um amparo digno de pesquisa no Wikipédia sobre questões astrofísicas com a intenção de desenvolver uma longa resolução que se conecta a inúmeros episódios místicos prévios, “Interestelar” ainda se envolve com temas como amor e família para obter a mesma relevância diante de outras obras já consagradas no gênero. O problema é que absolutamente nada funciona.
Como experiência sensorial, o filme passa vergonha diante do recente “Gravidade“, produção que marca uma verdadeira revolução no modo como o cinema se abre para ambientes além da Terra. Com as pretensões de um épico disposto a arrebatar plateias, “Interestelar” é arruinado com a inabilidade de Christopher Nolan em construir figuras humanas tridimensionais. Basta direcionar as atenções para Brand e Murph, as duas mulheres da história que passam toda a existência amparadas pela ausência ou influência da figura paterna e nada mais.
Ainda diante dessa perspectiva, não há como não citar a aparição surpresa de Matt Damon, uma espécie de versão masculina de Miranda (Marion Cotillard), a personagem constrangedora de “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge“. No entanto, é a conclusão a responsável por invalidar uma espécie de moral então construída sem sucesso, trazendo um Cooper ignorando a sua própria continuidade que tanto o motivava a retornar à Terra. A bela trilha sonora de Hans Zimmer com a sua utilização de órgão de tubo faz jus ao sentimento lúgubre deixado por “Interestelar”.