O meu atual contexto profissional tem sido radicalmente diferente daquele que mergulhei intensamente nos dois últimos anos de cobertura em cinema. A consequência foi deixar o Cine Resenhas como site um pouco de lado, com o propósito de rever prioridades e saber como encaixar os meus projetos no tempo livre escasso.
Porém, uma categoria desse espaço que continuo sondando convidados é o Cinco Filmes, uma adaptação de uma pauta que já foi mais recorrente no site internacional Rotten Tomatoes. É uma maneira de conseguir prestar uma singela homenagem principalmente às grandes amizades que formei como cinéfilo e jornalista, e a que quero ceder o destaque hoje é Nayara Reynaud.
Eu sabia que estava impondo um desafio tremendo para ela, sempre avessa a elaborar listas. “Sinceramente, listas são algo que faço por obrigação, com a certeza de que, um segundo depois de bater o martelo, colocarei em dúvida a escolha final”, diz Nayara em seu texto de introdução para esta edição da Cinco Filmes.
Crítica de cinema e repórter, formada em Jornalismo e técnica em Produção de Áudio e Vídeo, Nayara Reynaud teve passagem pelo Cineweb e hoje toca de modo independente o site NERVOS, em que faz uma cobertura completa do que tem pavimentado o cinema, além de também tratar sobre tevê e música. Além de críticas de cinema, notícias e artigos sobre eventos, Nayara tem se tornado cada vez mais craque no papel de entrevistadora, recentemente compartilhando conversas com nomes como Rodrigo Santoro, Enrique Diaz, Paula Pimenta, Karine Teles, Marieta Severo e outros em um podcast que pode ser ouvido no Soundcloud – clique aqui.
“Com a sensação constante que tenho de estar atrás dos meus colegas no que diz respeito à bagagem cultural, cheguei a cogitar, de início, selecionar mais um clássico querido ou pegar um longa europeu que goste muito para ter de demonstrar a visão plural que tenho hoje em dia como crítica. No entanto, o tempo que deixei esta lista “de lado”, fez com que ela ficasse gravada na minha mente como a dos ‘5 Filmes da Minha Vida’. Como listar os melhores é sempre algo muito subjetivo, preferi assumir esta subjetividade e falar de cinco obras que, além de serem algumas das minhas favoritas, também marcaram certas fases da minha vida. Então, desculpas de antemão se este post será mais confessional do que crítico.”
Fico feliz por ter aceitado o convite, Nayara. E que tenha encarado a proposta fazendo uma seleção composta de filmes que sei que falam muito sobre a pessoa querida que é.
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Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra, de Gore Verbinski (Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl, 2003)
Poderia falar do primeiro filme que assisti no cinema, “O Noviço Rebelde” (1997), aquele do Didi com Sandy & Junior, ou do primeiro que me fez brincar de ser roteirista, imaginando qual mutante seria depois de ver “X-Men: O Filme” (2000). Mas, pensando nesse contato primário com a Sétima Arte, nenhum teve o efeito de “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”, naquela época e ao longo de tanto tempo.
Quando, finalmente, compramos um DVD em casa, depois de anos com um VHS quebrado, locamos o título junto com “Procurando Nemo” (2003). Na primeira vez que assisti, adorei tanto quanto a animação da Pixar. Porém, vendo outras tantas vezes quando chegou à TV e com a produção de novos capítulos do que seria, a princípio, uma trilogia, a franquia não só se tornou objeto de afeição e admiração, como também estimulou e muito a minha imaginação adolescente no meu sonho, hoje, adormecido de ser roteirista.
Em vez de “Star Wars” ou Marvel, por exemplo, “Piratas do Caribe” continua sendo minha favorita, o que não quer dizer que não enxergue os vários problemas das sequências. Mas, ainda hoje, “A Maldição do Pérola Negra” permanece na minha mais alta conta, pela habilidade de Verbinski no equilíbrio narrativo da aventura, comédia, romance, ação e terror dentro do resgate de um subgênero quase esquecido naquele período. E também, por perceber que a Elizabeth Swann de Keira Knightley – junto com a famosa Bennet que interpretou em “Orgulho e Preconceito” (2005) – foi a minha referência de heroína feminina em um período bem diferente do atual. Aliás, a coisa começou a degringolar na saga, quando se acreditou que tudo se resumia a um Pirata do Caribe, desprezando o protagonismo dividido entre os três personagens principais que existe e funciona tão bem no longa de 2003.
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A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder (Ace in the Hole, 1951)
Como jornalista de formação, filmes sobre o tema sempre me interessaram antes mesmo da faculdade e se tornaram obrigatórios a partir do vestibular. Dentre os que assisti na sala de aula, incluindo aquele clássico que você está pensando, meu longa-metragem favorito sobre o assunto é “A Montanha dos Sete Abutres” que, junto com o curta nacional “Quem Matou Eloá?” (2015) de Lívia Perez, se mantém extremamente atual em sua crítica ao sensacionalismo midiático, que sempre nos é lembrado a cada cobertura jornalística de certas tragédias. Dono de uma filmografia extensa e muito diversificada, Wilder faz este estudo da psique humana, no questionamento moral de até onde alguém pode ir para conseguir realizar os seus desejos, como em algumas de suas obras, com profissionais de outras áreas. No entanto, o peso aqui da palavra ou da imagem como uma arma letal é um lembrete muito marcante da ética que, às vezes, falta a alguns colegas e também a quem deseja denegrir a profissão por não saber conviver com divergências.
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Temporário 12, de Destin Daniel Cretton (Short Term 12, 2013)
O tema delicado e importante das crianças e adolescentes em situação de risco que precisam viver em abrigos temporários do Estado potencializa o drama deste filme indie norte-americano, mas que só é sustentado pelo bom elenco, capitaneado por Brie Larson. Aliás, a atriz indicada ao Spirit Awards por esse trabalho, deveria já ter concorrido ao Oscar ou, pelo menos, às outras grandes premiações daquela temporada por este papel de uma funcionária do lugar que tenta ajudar os menores, mas também tem seus próprios traumas e problemas a superar.
No entanto, o que torna a obra de Destin Daniel Cretton excepcional é o seu encerramento. A forma como o cineasta entrega o final feliz que o público deseja, mas fazendo seu verdadeiro discurso nas entrelinhas é admirável e invejável, embora não tão compreensível para todos à primeira vista. Ao repetir a mesma situação da cena inicial e carregar toda a simbologia da bandeira dos Estados Unidos, a última sequência traz uma diferença fundamental na ação, revelando que aquele “sonho norte-americano”, que tanto os personagens quanto os espectadores almejam, nunca estará ao alcance deles.
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Mate-me Por Favor, de Anita Rocha da Silveira (2015)
Era um dos vários filmes estreantes que tinha de ver na Mostra de 2015, por estar no júri Abraccine, mas na agitação daqueles dias, diferente de todos os outros, acabei não lendo nem a sinopse de “Mate-me Por Favor”. Na correria, entrando na sala de cinema logo na primeira cena, o primeiro longa de Anita Rocha da Silveira foi realmente um “tiro no escuro”, que se revelou uma das experiências mais incríveis que já vi, mesmo sem saber para onde a cineasta estava nos levando com aquela história que contém um pouco de slasher, “Meninas Malvadas”, Lynch e até funk gospel. Na realidade, mesmo quando revi, um ano depois, ainda me surpreendi com detalhes que havia deixado passar, como a citação indireta ao caso da Daniella Perez, acontecido naquela mesma Barra da Tijuca que serve de cenário para a trama.
Até a idiossincrasia do bairro é uma das várias camadas da obra. Com elementos simples que recordam o ambiente escolar da nossa memória, o retrato mórbido e fantasmagórico da passagem pela adolescência, no qual estes jovens estão sozinhos, sem nenhum adulto por perto, também faz suas críticas a certo moralismo, à violência contra a mulher e às transformações do espaço urbano naquela região. Neste último item, a obra vai de encontro com a tendência de variados filmes nacionais desta década, mas que também era uma preocupação de grandes cineastas nos anos 1960, de observar de maneira crítica as transformações da urbanização e seus efeitos sociais na população.
Frances Ha, de Noah Baumbach (Frances Ha, 2012)
É fácil e, de certo modo, até “cool” para jovens hipsters e/ou cinéfilos iniciantes falarem que adoram “Frances Ha” – e também aos detratores se apegarem ao uso do preto e branco e à reprodução da cena de “Sangue Ruim” (1986) ao som de “Modern Love” do David Bowie como fetichismo. Posso justificar o primeiro caso com o fato do filme ser um retrato agridoce de uma geração, especialmente de nós, envolvidos no mundo das artes, a quem, desde cedo, foi dito que tudo podia e, hoje, vê a realidade sobrepor seus frágeis planos e enormes anseios. Assim como posso contrapor que as homenagens estéticas de Baumbach estão servindo a esse olhar geracional e ao drama da personagem-título, em que o roteiro dele e da Greta Gerwig muitas vezes se utiliza da estrutura de uma comédia romântica, só que de uma amizade feminina.
No entanto, é pelo aspecto pessoal que a obra “me pega”: a cada vez que revejo, me vejo mais ali, mesmo sendo o oposto de Frances Ha. Se a protagonista é bem irritante na sua falta de noção e cara-de-pau com seus amigos, sou irritantemente tímida para me enturmar até com quem já tenho amizade; se ela resolveu passar dois dias em Paris, mesmo sem dinheiro, e só dormiu em sua passagem por lá, gastei minhas economias para passar o mesmo tempo na França, mas sem lugar para dormir. Mas na última vez que assisti, ao ver que tinha os mesmos 27 anos de Frances, percebi também o quanto compartilhava daquele sentimento de inadequação dela e da falência dos sonhos quando a vida adulta bate à porta, com a necessidade de crescer, no caso dela, e de se sustentar, no meu caso.