Há quase um ano, o Projeta às 7, que com a distribuidora Elo Company oferta cinema brasileiro independente em uma programação regular a preço popular, havia lançado “O Nó do Diabo”, um filme antologia com os pés fincados no terror. Agora, é a vez de “Histórias Estranhas” ganhar espaço e encontrar o seu público.
Constituído de oito segmentos, a produção, ainda em cartaz nos cinemas, traz alguns dos nomes no país que testam os seus talentos no campo do macabro e do fantástico. A proposta é parecida com a de “13 Histórias Estranhas”, realizado em 2015. Diretor e idealizador em ambos os projetos, Ricardo Ghiorzi concedeu para o Cine Resenhas uma entrevista em que fala sobre a concepção “Histórias Estranhas” e a reunião de amigos, a organização dos curtas dentro de um longa-metragem e como vê o estado e a recepção dos filmes de terror brasileiros atualmente.
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Em 2015, você foi um dos nomes principais de “13 Histórias Estranhas”, no qual também foi formado um grupo de cineastas para moldar um filme constituído de curtas-metragens. Como foi o processo de reunir parceiros daquele projeto em “Histórias Estranhas”, como Paulo Biscaia Filho e Filipe Ferreira, ao mesmo tempo em que escalou nomes inéditos, como o de Taísa Ennes?
Antes de responder a pergunta propriamente dita, vou contar um pouco do que antecedeu o filme “13 Histórias Estranhas”. O longa começou a ser gerado em meados de 2007. Inicialmente, a proposta era fazer filme antologia com curtas de lobisomens. A ideia ficou na gaveta devido a grande dificuldade de produção. Mas o conceito de um longa antologia não saía da minha cabeça. Então, em 2014, tomei coragem, convidei alguns amigos diretores e realizamos, de modo independente, o longa, cuja temática que os unia era a utilização dos numerais e temas sobrenaturais. Na verdade, o processo de seleção dos diretores foi de maneira simples e objetiva: amigos diretores do Sul que tivessem afinidade com o gênero. Convidei diretores que já estavam na ativa, diretores que já não filmavam há anos e diretores estreantes. Queria que o filme tivesse este caráter diversificado mesmo. E neste novo “Histórias Estranhas”, convidei diretores de vários estados do Brasil.
A construção de um longa-metragem coletivo por vezes assume um resultado irregular, justamente pela autoria que cada realizador preserva a partir de uma mesma proposta, podendo assim cada um destoar radicalmente do outro. Como idealizador, quais as discussões promoveu para o encontro de uma unidade?
Inicialmente, partimos da premissa do tempo de cada curta, que deveria girar entre oito a dez minutos. E como o nome do filme já diz, as histórias deveriam realmente ser estranhas. Tentamos combinar para que todos os curtas tivessem a mesma janela de captação, mas não obtive êxito neste quesito (risos). E o principal item é que os curtas deveriam ter ótima qualidade técnica. Obviamente, há alguma disparidade de produção, pois o filme foi realizado de maneira totalmente independente. Mas nada que comprometesse o conjunto da obra. O filme ficou harmônico e interessante.
As virtudes técnicas de “Histórias Estranhas” são evidentes sobretudo em seus efeitos visuais e maquiagem. Por ser um projeto que conta com cineastas vindos dos mais diversos estados brasileiros, tenho curiosidade se integrantes da equipe foram compartilhados ou se cada segmento continha o seu núcleo exclusivo.
Pelas distâncias entre os núcleos de filmagens, não houve compartilhamento de equipes. Em projetos que virão na sequência, isso poderá ocorrer.
Enquanto segmentos como “Mulher Ltda.” e “Invisível” são amparados por interações verbalizadas ou narração, outros como “Ninguém” e “No Trovão, Na Chuva ou Na Tempestade” são quase silenciosos. Como se deu a ordem de apresentação dessas histórias na montagem?
Quando ficou definido os oito curtas para o longa, ao analisar o dinamismo de cada um deles, decidimos que o curta “Ninguém”, do Rodrigo Brandão, seria o primeiro, pois começa de maneira lenta, contemplativa e introspectiva (mesmo tendo uma explosão de violência no final). Deixamos o curta “Mulher Ltda”, de Taisa Ennes, no meio, pois tem uma pegada mais cômica, o que daria o caráter de alívio e impulso para os demais. Para o fim, decidimos pelo curta “Apóstolos”, de Marcos DeBrito, pelo impacto visual das cenas finais. E por ele ter características fortemente religiosas, acomodamos o meu curta “Sete Minutos Para a Meia-noite”, antecedendo e fazendo uma dobradinha, pois este também tem uma alta carga religiosa.
Mesmo que o horror americano seja um dos gêneros mais lucrativos no Brasil, parece existir uma incomunicabilidade da nossa audiência com a produção nacional do segmento, ainda que ela tenha se tornada mais ampla nos últimos 10 anos. Por qual razão isso acontece? Encaixar “Histórias Estranhas” em uma programação regular a preço popular é uma das possíveis soluções para esse impasse?
Por enquanto, isto é um grande enigma. Encaixar o longa “Histórias Estranhas”, um filme independente e de guerrilha, na programação de cinema de um shopping, demonstra que a “coisa” está mudando. Bem devagar, mas está mudando. Sempre salientando que esta iniciativa se deve a competência e garra da distribuidora Elo Company. Tenho um pouco de medo em afirmar isso, mas acho que o público gosta e assimila bem os efeitos especiais digitais dos filmes de terror americanos. E se acostuma com isso. O que no nosso caso, é usado excepcionalmente nas produções nacionais. É muito estranho, mas o preconceito ainda é muito forte com produções brasileiras de gênero. Já foi pior. Acho que estamos trilhando o caminho certo para desfazer essa incomunicabilidade do público com nossas produções, com bons roteiros, bons efeitos, fotografia esmerada, direções competentes, enfim, tudo aquilo que um filme de qualidade deve ter.