5 bons curtas-metragens vistos na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Vander, de Barbara Carmo
Com menos de três minutos de duração, “Vander” lembra bastante um curta-metragem de Felipe André Silva exibido há pouco em festivais: “Cinema Contemporâneo”. Em ambos, basta uma fotografia para arquitetar toda uma narrativa. Barbara Carmo consegue ser igualmente frontal ao compartilhar a breve relação estabelecida com o seu pai, que fora morto quando ainda era uma criança. A narração e os cortes de “Vander” poderiam ser bem-ajambrados? Sem dúvida. Mas o relato é tão desconcertante que os pequenos descuidos advindos de um primeiro trabalho audiovisual pouco importam. “Hoje escrevo filmes. E nenhum deles têm final feliz.” Pois mal posso esperar para apreciar as próximas histórias de Barbara Carmo. ★★★★

Enterrado no Quintal, de Diego Bauer
Curtametragista há seis anos, Diego Bauer causou forte impressão sobretudo com “Obeso Mórbido”, onde também se apresenta como intérprete para levar para a ficção a travessia de alguém em processo de emagrecimento. Agora, ele se apropria de um conto da autoria de Diego Moraes para criar uma espécie de thriller periférico em que a protagonista Isabela põe em prática um plano de vingança contra o seu padrasto, agressor de sua mãe. Os 15 minutos da metragem não proporcional à história a possibilidade de uma evolução que autorize alguma consequência para o seu clímax, mas Bauer demonstra um grande domínio no ritmo e tensão de seu curta, além de assegurar para Isabela Catão o espaço para uma grande interpretação. ★★★

4 Bilhões de Infinitos, de Marco Antonio Pereira
Premiado no Festival de Gramado em 2017 com o curta-metragem “A Retirada Para Um Coração Bruto”, Marco Antonio Pereira agora apresenta “4 Bilhões de Infinitos” com uma fórmula que dificilmente dá errado: a de crianças que não autorizam que um contexto de pobreza e luto contaminem a esperança por dias melhores e que encontram no cinema uma válvula de escape. O fato de utilizá-la sem sentimentalismo barato engrandece uma obra que repercute de modo especial para aqueles que, em isolamento social, sentem falta da experiência coletiva de uma sala de cinema. ★★★

O Mundo Mineral, de Guerreiro do Divino Amor
Suíço radicado no Rio de Janeiro, Guerreiro do Divino Amor (pseudônimo de Antoine Guerreiro) desenvolve desde 2005 o Atlas Mundial Superficcional, no qual “O Mundo Mineral” vem a ser o quinto e mais recente capítulo. Assim como os anteriores, faz uma espécie de breve apresentação regional a partir de um texto em que o sarcasmo é ofertado em doses bem sutis. O principal mérito, entretanto, é a criação de um universo paralelo que se desenha diante de nossos olhos em velocidade ágil com uma série de colagens e mutações de imagens. Por mais estranho que pareça, assistir a este experimento com a sobriedade comprometida é ainda melhor: não somente foi o meu último filme da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, como o apreciei depois de ter virado uma garrafa de vinho ruim e barato. ★★★

Céu de Agosto, de Jasmin Tenucci
Curioso notar nos dois últimos anos do cinema em geral o modo como o processo de gestação de um bebê tem sido retratado a partir de perspectivas extremamente originais, por vezes controversas. “Pieces of a Woman” abriu o ano causando uma forte impressão, enquanto “Devorar” é fácil um dos melhores filmes de 2020. Jasmin Tenucci tem vivências com textos de projetos televisivos (como a série “As Five”) e assume a direção de “Céu de Agosto” misturando os receios da concepção de um ser vivo com a mudança da natureza urbana que a cerca (a escuridão vespertina é o melhor momento de seu filme) e a conversão religiosa. Protagonista de “Descompasso”, curta feito por Tenucci em 2011, Gilda Nomacce surge aqui em participação especial no melhor estilo “não ouviu, perdeu”. ★★★

Resenha Crítica: Mosquito (2020), de João Nuno Pinto

Primeiro longa-metragem de João Nuno Pinto em 10 anos (o seu debute aconteceu com o pouco visto “América”), “Mosquito” é fruto da investigação do cineasta português em suas próprias raízes. Bem como Zacarias, rapaz de 17 anos interpretado por João Nunes Monteiro que se alista no Exército durante a Primeira Guerra Mundial, o avô do realizador também havia se lançado ao conflito armado em sua juventude, atravessando um momento crucial quando foi mandado para Moçambique. A intenção, entretanto, não foi a de fazer uma cinebiografia, como revela a escolha em estabelecer certo distanciamento de uma fonte de inspiração tão próxima com os créditos do roteiro destinados para a sua esposa Fernanda Polacow e também para Gonçalo Waddington.

Antes um soldado ingênuo, Zacarias se vê lançado em uma verdadeira via crucis quando os seus passos vão se tornando cada vez mais solitários, escassa de recursos e com todos aqueles impulsos primitivos para manter a própria sobrevivência. Vê-se em um desafio maior do que o do próprio front de batalha pela defesa da colônia portuguesa diante da invasão alemã.

Ainda que o circuito nacional alternativo de cinema tenha aprendido na última década a prestigiar um pequeno recorte do que é produzido pelo cinema português, as possibilidades de acesso a algo mais efervescente eram limitadas por certa predileção pelas últimas obras do saudoso Manoel de Oliveira e de dramas de época um tanto novelescos. “Mosquito” desapega do formalismo desses exemplos para nos lançar em uma jornada que vai nos envolvendo progressivamente, dos delírios experimentados por Zacarias a partir do ponto em que contrai malária, passando por uma inversão de papéis ao ser resgatado por uma tribo formada unicamente por mulheres e, por fim, sendo capaz de visualizar um ponto de retorno como um homem amadurecido – mas não menos envolto a contradições.

Belamente fotografado por Adolpho Veloso (o mesmo de “Tungstênio”, de Heitor Dhalia, e “Rodantes”, de Leandro Lara), “Mosquito” também se vale pela interpretação valente de João Nunes Monteiro, que se sujeita a todos aqueles sacrifícios nada fáceis aguardados de um intérprete dando vida a um personagem que se transforma fisicamente diante de nossos olhos. Trata-se também de um “filme de guerra” que consegue contemporizar um contexto que se deu há exato um século, fazendo rever a dinâmica de territórios e as leis dos mais fortes. ★★★★

Veja também:
• Entrevista com João Nuno Pinto sobre “Mosquito” aqui.

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Resenha Crítica: Dias (2020), de Tsai Ming-liang

Hayao Miyazaki, Steven Soderbergh, David Lynch e, futuramente, Quentin Tarantino. Pode ter certeza de que se um diretor um dia anunciar publicamente uma aposentadoria de seu ofício, é provável que essa decisão será logo mais revista.

Artista com sensibilidade à flor da pele, o malaio Tsai Ming-liang disputou o Leão de Ouro em 2013 no Festival de Veneza com “Cães Errantes”. Para todos ali presentes, contou que seria seu último filme. Quando o filme foi apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo daquela época, os ingressos foram os mais disputados de toda a programação.

Talvez fosse melhor ter parado ali mesmo. “Dias” é um retorno ao formato de ficção de longa-metragem ensaiado há sete anos preenchidos com curtas, médias (um deles, “Jornada ao Oeste”, chegou a receber lançamento comercial no Brasil) e um longa documental.

Em essência, “Dias” fermenta o inevitável encontro entre dois personagens, Kang (Lee Kang-sheng) e Non (Anong Houngheuangsy). Em comum, há a solidão que os devasta e um desejo mútuo em aplacá-lo. Sobretudo da parte de Kang, que habita sem nenhuma outra companhia uma casa espaçosa e que atravessa uma fase de dores físicas de origem desconhecida.

Como o esperado, Ming-liang privilegia aqui os planos longos, mas que nada de realmente relevante parece comunicar sobre esses homens e os espaços que ocupam. O melhor do filme acaba sendo o esperado encontro sexual entre ambos.

Curioso inclusive como o diretor a encena, sem a fetichização tão habitual quando o cinema capta o contato entre dois corpos masculinos. O êxtase é o tato de Non sobre um Kang de bruços na cama de um hotel, como se suas mãos curassem temporariamente a sua enfermidade. No avanço para um ápice, parecem praticantes da gouinage, tornando tudo ainda mais romântico.

Mas é só. O diretor perdeu a habilidade de construir imagens que tanto sugerem mesmo com personagens quase intactos em cena. Para ser bem franco, algumas chegam até a ser mal fotografadas. Longe de sugerir uma aposentadoria, mas um hiato às vezes é sempre bem-vindo para resolver a falta de novidades ou as crises criativas. ★★

Resenha Crítica: Antena da Raça (2020), de Luís Abramo e Paloma Rocha

Transmitido de fevereiro de 1979 a maio de 1980, o programa “Abertura” teve repercussão mesmo ganhando o mundo em um período em que a TV Tupi caminhava para o seu fim. Em seu ápice, atingiu 15 pontos de audiência.

Razão disso foi o seu diálogo franco sobre política em um contexto em que o Brasil ainda vivia sob o regime militar. Além de uma série de personalidades, o programa também continha pautas em que a voz do público era expressa.

Um dos nomes mais inusitados presentes na equipe foi do cineasta Glauber Rocha. Filha do maior expoente do Cinema Novo, Paloma Rocha, em parceria com Luís Abramo, se aproveitou do restauro do material para a feitura do documentário “Antena da Raça”, selecionado para ser o filme de encerramento do 9º Olhar de Cinema.

A dupla de cineastas preferiu não fazer um registro convencional, no sentido de produzir intervenções que reafirmassem a importância do programa. Elas vão de paralelos do material de arquivo com trechos de filmes de Glauber Rocha com a coleta de novos depoimentos.

O resultado final ainda assim não entusiasma, especialmente por decisões equivocadas quanto ao aproveitamento ou escalação de nomes convidados. Caetano Veloso e Zé Celso são destacados enquanto Helena Ignez é emudecida. E é sério que os documentaristas não tinham cogitado alguém mais adequado que José Dirceu para discursar sobre o cenário político que se desenhou desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff? ★★