Resenha Crítica | A Tentação (2011)

A Tentação | The LedgeA religião, independente de qual seja, representava um valor familiar. Os ambientes familiares e escolares não eram suficientes para educar um jovem indivíduo. Era preciso definir com minúcia o que é certo e o que é errado no plano material e isto fazia sentido com a devoção a um deus, figura cuja existência é determinada apenas pela fé. No entanto, tudo se modificou e já não há pressões impostas pelos nossos responsáveis em seguir rigorosamente com uma crença. Tornamo-nos suficientemente independentes para determinar como suprir qualquer vazio espiritual.

A consequência dessa mudança de comportamento é vista em debates entre pessoas que tratam como única verdade a religião que segue ou não, seja você um católico, protestante, espírita ou ateu. Tataraneto de Charles Darwin, Matthew Chapman arma uma verdadeira teia de intrigas em “A Tentação”, que traz personagens com credos que destoam uns dos outros.

Mesmo que tenha assinado o roteiro de suspenses como “Jogo de Adultos” e “O Júri”, “A Tentação” é o primeiro filme de Matthew Chapman como diretor em 23 anos (sua última obra foi “No Coração da Noite”, com Jennifer Jason Leigh). Retorna propondo um debate polêmico que acontece entre o protagonista Gavin Nichols (Charlie Hunnam) e Joe Harris (Patrick Wilson). Gavin é um ateu que mora com o melhor amigo homossexual (Christopher Gorham) e supervisiona camareiras em um hotel. Oferece uma vaga para sua vizinha chamada Shana (Liv Tyler), que, por sua vez, é casada com Joe, um cristão fundamentalista que convida Gavin para um jantar como forma de agradecê-lo pela oportunidade oferecida à esposa. Tem-se aí a primeira interação de dois homens incapazes de abrirem mão de suas convicções para um convívio pacífico e que mergulharão em uma sucessão de erros e riscos para defenderem o que acreditam.

Bem construídos, Gavin e Joe protagonizam embates verbais densos nos quais o público visualizará as duas faces de uma mesma moeda. Naturalmente, cada espectador terá maior inclinação pelo personagem com o credo que lhe corresponde, mas a imparcialidade com que Matthew Chapman constrói o caráter desses personagens rende um registro ainda mais interessante de se acompanhar. Inconvincente apenas a tragédia iminente usada para costurar toda a trama. Afeito a thrillers, Matthew Chapman leva Gavin a um parapeito de um edifício e gera um mistério que aos poucos é elucidado, mas aquém do nervoso debate central.

Título Original: The Ledge
Ano de Produção: 2011
Direção: Matthew Chapman
Roteiro: Matthew Chapman
Elenco: Charlie Hunnam, Liv Tyler, Terrence Howard, Patrick Wilson, Christopher Gorham, Monica Acosta, Jaqueline Fleming e Mike Pniewski

Dredd

Criada por John Wagner e Carlos Ezquerra, a graphic novel “Judge Dredd” tem uma legião de fãs em todo o mundo. Ambientada na Inglaterra, a história apresenta um cenário futurístico em que a lei é ditada pelos Juízes, policiais que visam manter o controle de uma sociedade decadente e marginalizada. Domados de armas e equipamentos modernos, os Juízes parecem criaturas robóticas. Não à toa, usam um capacete que jamais é removido durante o trabalho.

Esta interessante premissa ganhou em 1995 uma versão cinematográfica deprimente. Conduzido por Danny Cannon (um dos principais nomes por trás na nova versão do seriado “Nikita”), “O Juiz” transformou o material original em piada, contando com Sylvester Stallone vivendo um herói convencional. Infelizmente, a mancha deixada por “O Juiz” provavelmente espantou o público para conferir “Dredd”. Embora esta mais recente versão respeite conteúdo e violência pesadas da graphic novel, foi um fracasso comercial.

Pete Travis mostrara a que veio já em sua estreia como diretor de longa-metragem. É dele “Ponto de Vista“, tenso thriller que mostra as perspectivas de inúmeros personagens envoltos a um atentado contra o presidente dos Estados Unidos. Em “Dredd”, Travis se mostra um realizador mais visual ao orquestrar cenas muito violentas, mas inegavelmente belas.

Desta vez, o capacete do Juiz Dredd coube a Karl Urban, eficiente em um figurino que não lhe exige evidenciar seu escasso talento dramático. O local da ação é Mega City One, metrópole dominada por ladrões e traficantes que comercializam uma droga chamada Slo-Mo, que permite aos seus usuários experimentarem intensamente cada fração de segundo. Ao treinar Cassandra Anderson (Olivia Thirlby, surpreendente), jovem novata com poderes psíquicos, Dredd segue ao encontro de Ma-Ma (Lena Headey, excelente), ex-prostituta e agora a ameaçadora responsável pela circulação do Slo-Mo.

Constante colaborador de Danny Boyle, o roteirista Alex Garland não permite que “Dredd” alce voos mais altos ao decidir fazer uma introdução tão ágil ao ponto de não nos situarmos plenamente ao cenário imaginado. Há também o irritante hábito de desenvolver situações em que inimigos aproveitam todas as oportunidades de causar dano aos heróis ao entonarem patéticos discursos de vitória premeditada. Sem poder interferir no texto, Pete Travis compensa tais tropeços com sua imaginativa direção. São espetaculares os instantes em que o espectador testemunha o efeito proporcionado pelo Slo-Mo, o que inclui personagens abatidos por Dredd na maior lentidão possível.

Uma sequência seria bem-vinda para nos integrarmos melhor na dura luta do protagonista em fazer a justiça prevalecer, uma possibilidade que, dados os números baixos na bilheteria mundial, não deverá ser viabilizada pelos produtores da obra.

Título Original: Dredd 3D
Ano de Produção: 2012
Direção: Pete Travis
Roteiro; Alex Garland, baseado na graphic novel de Carlos Ezquerra e John Wagner
Elenco: Karl Urban, Olivia Thirlby, Lena Headey, Rachel Wood, Rakie Ayola, Tamer Burjaq, Warrick Grier, Wood Harris, Domhnall Gleeson, Joe Vaz, Scott Sparrow, Langley Kirkwood, Edwin Perry, Karl Thaning e Michele Levin

Na Estrada

O norte-americano Jack Kerouac foi um dos principais responsáveis pelo movimento beat. O livro “Pé na Estrada”, publicado em 1957, é capaz de integrar qualquer um quanto à importância desta geração, composta por jovens sem direção, mas que ambicionaram uma carreira de artistas rebeldes. Espécie de diário de viagem, “Pé Na Estrada” traz Jack Kerouac sob o nome de Sal Paradise e esmiúça sua viagem, às vezes a pé, às vezes pegando carona, pelos Estados Unidos.

Sonho antigo de Francis Ford Copolla, a adaptação cinematográfica para “Pé Na Estrada” foi planejada desde o início dos anos 1990. Com Gus Van Sant envolvido como diretor e Johnny Depp como protagonista, os planos de concretizar o projeto não vingaram por dificuldades em levantar o orçamento necessário. Responsável por “Central do Brasil” e “Diários de Motocicleta”, obras que facilmente podem ser classificadas como road movie, Walter Salles finalmente transporta “Pé Na Estrada” para as telas de cinema.

Na pele de Sam Riley (que viveu o cantor Ian Curtis em “Control”), Sal Paradise inicia sua jornada pelas estradas americanas no final da década de 1940, carregando consigo uma mochila com trajes gastos, um livro para tomar notas e alguns trocados no bolso. Entre idas e vindas, cruza o caminho do amigo Dean Moriarty (Garrett Hedlund, em uma entrega devastadora ao papel), um jovem que sempre se deixa levar pelos seus impulsos. Mesmo inconsequente, Dean, uma versão ficcional do poeta Neal Cassidy, não deixa de despertar fascínio naqueles que o cercam. Não à toa, teve duas mulheres em uma curta faixa de tempo, sendo Marylou (Kristen Stewart, que protagoniza algumas cenas bem ousadas) e Camille (Kirsten Dunst).

Se o livro “Pé na Estrada” tinha algo de fascinante era a sensação de liberdade garantida a toda uma geração de jovens leitores. As histórias narradas por Jack Kerouac motivavam nos desprender de tudo, tendo as viagens sem destinos preestabelecidos como meio de conhecemos a nós mesmos e assim se tornar independentes, livres de valores conservadores. Walter Salles tenta transmitir isto com as imagens de “Na Estrada”, mas fracassa.

Pior do que a pincelada artificial por personagens secundários importantes é a ausência dos elementos básicos que constroem um bom road movie. Se Walter Salles os explorou esplendidamente em suas obras mais bem-sucedidas, em “Na Estrada” as viagens de Sal Paradise são registradas de modo superficial. Não há tempo para contemplar o que motiva o personagem neste encontro de si mesmo e não há descrição sobre as inevitáveis dificuldades que surgem quando o seu rumo é interrompido por falta de dinheiro ou carona.

O mais estranho, no entanto, é que toda a descaracterização existente no processo de adaptação configura, meio que involuntariamente, um teor homoerótico totalmente deslocado, algo sentido em todas as interações entre Sal e Dean. “Na Estrada” é um filme incapaz de se comunicar com esta geração. Um sonho que se concretiza com desagradável cheiro de mofo.

Título Original: On the Road
Ano de Produção: 2012
Direção: Walter Salles
Roteiro: Jose Rivera, baseado no livro “Pé na Estrada”, de Jack Kerouac
Elenco: Sam Riley, Garrett Hedlund, Kristen Stewart, Kirsten Dunst, Viggo Mortensen, Amy Adams, Elisabeth Moss, Terrence Howard, Tom Sturridge, Alice Braga, Sarah Allen, Danny Morgan e Kaniehtiio Horn

Anônimo

O dramaturgo e poeta inglês William Shakespeare é responsável por obras que permanecem pulsantes. Não há como não se deixar levar pelo trágico romance “Romeu e Julieta” ou a fantasia “Sonho de Uma Noite de Verão”. Porém, muitos estudiosos confirmam a presença de lacunas na existência deste que é considerado o mais influente nome da dramaturgia britânica, levando-nos a questionar sua carreira.

Acredita-se que Shakespeare, filho de uma família pobre, foi um homem sem instrução e que se dedicou a executar trabalhos braçais até casar-se com uma mulher não apenas mais velha, como rica. Do intervalo que há do instante em que se tornou marido e pai até eternizar o seu nome através de peças populares em Londres, não há certeza de quem foi Shakespeare e do que ele fez.

Se a intenção do cineasta alemão Roland Emmerich é se desvincular do cinema-catástrofe que o tornou tão requisitado em Hollywood (bobagens como “O Dia Depois de Amanhã” e “2012” têm a sua assinatura), pode-se dizer que ele obtém o feito com sucesso (não comercial, mas artístico) em “Anônimo”, cujo roteiro escrito por John Orloff tem uma certeza: Shakespeare foi uma fraude.

Além de mero coadjuvante em “Anônimo”, Shakespeare surge patético na interpretação de Rafe Spall. Trata-se apenas de um indivíduo usado por Edward de Vere (Rhys Ifans), poderoso conde de inteligência excepcional que teve um relacionamento com a Rainha Elizabeth I (interpretada na juventude por Joely Richardson e na velhice por Vanessa Redgrave; elas são mãe e filha na vida real) tão próximo ao ponto de, supõe-se, lhe tirar a virgindade.

A rígida educação recebida ainda na infância fez Edward criar histórias arrebatadoras com grandes personagens. No entanto, estamos no século XV, período em que exercer a atividade de escritor representava um risco. Afinal, há uma população facilmente influenciável e as histórias de Shakespeare possuem um forte teor político. Obstinado em dar vida aos seus manuscritos, resta a Edward usar o pseudônimo de William Shakespeare e sabotar aquele que dará uma face a este nome.

Roland Emmerich conduz esta intriga de época com o mesmo rigor já apresentado para destruir o planeta que habitamos. Direção de arte e figurinos apresentam beleza que saltam aos olhos e Emmerich encontra o braço direito ideal em Anna Foerster, diretora de fotografia ainda novata, mas capaz de criar tomadas deslumbrantes.

Quanto a narrativa, “Anônimo” tem desenvolvimento comprometido com a alternância de tempo, uma vez que opta por mostrar simultaneamente o passado e presente de Edward de Vere ao invés de seguir uma ordem cronológica. Mesmo com a ressalva, o importante é que “Anônimo” não teme a polêmica que encena, indo até as últimas consequências na sua crença de que o verdadeiro perfil de Shakespeare não é o mesmo que aprendemos a apreciar.

Título Original: Anonymous
Ano de Produção: 2011
Direção: Roland Emmerich
Roteiro: John Orloff
Elenco: Rhys Ifans, Vanessa Redgrave, Sebastian Armesto, Rafe Spall, David Thewlis, Edward Hogg, Xavier Samuel, Sam Reid, Jamie Campbell Bower, Joely Richardson, Paolo De Vita, Trystan Gravelle, Robert Emms, Tony Way, Julian Bleach e Derek Jacobi

Resenha Crítica | Nosferatu (1922)

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

O Expressionismo se manifestou em alguns seguimentos artísticos no início do século passado. Concebido na Alemanha, o movimento atingiu algumas obras literárias, a fotografia, o teatro, a dança, a pintura e, como não poderia deixar de ser, o cinema. Fazendo um apanhado, temos clássicos como “M – O Vampiro de Dusseldorf”, “Metrópolis” e até mesmo “O Pensionista”, de Alfred Hitchcock, como obras-chave do Expressionismo. Porém, nenhuma delas foram capazes de se aproximar do status conquistado por “Nosferatu”, longa-metragem mudo do alemão F. W. Murnau que segue o movimento expressionista com a sua estética, buscando contrastes existentes entre o branco e o preto: claro e escuro, paz e horror, pureza e obscuridade, bem e o mal.

Último filme exibido na 36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, “Nosferatu” foi projetado no Parque do Ibirapuera. Ao ar livre, o público pôde contemplar a mais clássica versão do romance de Bram Stoker no gigante auditório do endereço com trilha instrumental conduzida ao vivo pela Orquestra Petrobras e de Coral, regidos por Pierre Oser. Apesar da interferência constante de adolescentes, que se esqueceram de todas as regras de comportamento em eventos como este ao usarem constantemente os celulares e atrapalharem o campo de visão de espectadores mais comportados, a sessão se mostrou marcante. Especialmente pela brisa gelada da noite, que só intensificavam os arrepios já garantidos por esta obra de F.W. Murnau.

Mesmo que “Nosferatu” não seja uma adaptação autorizada de “Drácula” de Bram Stoker, o roteirista Henrik Galeen manteve passagens do romance intactas na transposição para a tela. Apenas os nomes dos personagens foram trocados, o que evitou conflitos com a viúva de Bram Stoker, Florence, a detentora dos direitos da obra literária. Na história, o ingênuo corretor imobiliário Hutter viaja a Cárpatos para visitar Conde Orlok (Max Schreck, no único grande papel em sua carreira), um senhor sinistro que mostra interesse em adquirir uma propriedade próxima da casa em que Hutter vive. No entanto, Orlok está verdadeiramente interessado em Ellen (Greta Schröder), a bela esposa de Hutter.

A preferência por viver em ambientes escuros, o hábito de jamais despertar durante o dia e a sua fisionomia repulsiva antecipam: Orlok é um vampiro, criatura que espalha o horror ao seu redor  (as autoridades locais dizem que uma praga é a responsável pela morte de inúmeros indivíduos, encontrados com uma inexplicável marca no pescoço)  e obstinado em transformar Ellen em um ser imortal para lhe fazer companhia por toda a eternidade.

Embora o trabalho de maquiagem que transforma Conde Orlok  no abominável Nosferatu permaneça impressionante e realista, “Nosferatu” é uma obra de horror ainda assustadora porque F.W. Murnau foi capaz de construir uma atmosfera sombria sem recorrer ao explícito. Somos amedrontados pela presença de Orlok/Nosferatu, mas são os instantes que visualizamos apenas a sua sombra que o horror realmente se instaura. Com história readaptada dezenas de vezes posteriormente, esta versão de F.W. Murnau segue como a mais fascinante, além de obrigatória para ser vista em qualquer formato.

Título Original: Nosferatu, eine Symphonie des Grauens
Ano de Produção: 1922
Direção: F.W. Murnau
Roteiro: Henrik Galeen, baseado no romance “Drácula”, de Bram Stoker
Elenco: Max Schreck, Gustav von Wangenheim, Greta Schröder, Alexander Granach, Georg H. Schnell, Ruth Landshoff, John Gottowt, Gustav Botz, Max Nemetz e Wolfgang Heinz

Frisson des collines

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

1969 foi um ano que marcou muitas pessoas. Além de ser o momento em que todo o mundo era introduzido a uma fase da história em que adotamos um comportamento mais independente, tivemos feitos marcantes. Foi neste ano que Neil Armstrong se tornou o primeiro homem a pisar na Lua. Também tivemos o Festival de Woodstock, que contou com grandes nomes da música Rock como Janis Joplin e Jimi Hendrix. Os cinéfilos também devem se lembrar que em 1969 ocorreu a morte da bela Sharon Tate, esposa do diretor Roman Polanski assassinada pelos seguidores de Charles Manson.

O diretor e roteirista canadense Richard Roy era jovem quando testemunhou todos estes eventos até hoje ativos no imaginário do público. Além do mais, é possível deduzir que sua vida particular se mostrou decisiva neste período. Tudo isto porque “Frisson des collines” é um filme que faz um apanhado de tudo o que marcou o final da década de 1960 ao mesmo tempo em que tem Frisson (Antoine Pilon) como personagem central, garoto de 12 anos que está naquela fase da vida em que a ingenuidade se esvai para dar espaço a uma visão que possibilita encarar o mundo como ele é.

Fã incondicional de Jimi Hendrix, Frisson, que vive com os seus pais em um trecho rural de Quebec, quer a todo o custo ver o ídolo pela primeira vez no Woodstock e, quem sabe, pedir um autógrafo. Porém, uma tragédia surge para impedir os seus planos: o pai de Frisson, funcionário de uma companhia de eletricidade, morre em um acidente de trabalho. Mesmo desolado e com uma mãe incapaz de superar a dor da perda, Frisson não abaixa a cabeça e decide seguir o seu pequeno sonho.

Richard Roy sabe como filmar uma história juvenil. Sua câmera circula leve pelos ambientes, sempre em equilíbrio com os pequenos personagens centrais. Além do mais, com o apoio do diretor de fotografia Yves Bélanger (“Laurence Anyways”), faz de “Frisson des collines” uma obra de cores vívidas, em que se destacam o verde da natureza e o amarelo da luz solar. Sua única falha foi não se livrar dos estereótipos, representados por personagens secundários como o melhor amigo que sempre urina em ocasiões inapropriadas, o sujeito obeso e desprezível que só provoca desarmonia por onde passa, a professora de beleza irretocável que desperta desejos íntimos até de seus alunos que estão na puberdade e o motoqueiro rebelde e de corpo definido cheio de boas intenções.

Título Original: Frisson des collines
Ano de Produção: 2011
Direção: Richard Roy
Roteiro: Michel Michaud e Richard Roy
Elenco : Guillaume Lemay-Thivierge, Antoine Bertrand, Evelyne Brochu, Anick Lemay, Antoine Pilon, Patrice Robitaille, Paul Doucet, Geneviève Brouillette, Louis Champagne, Viviane Audet, Jean-Nicolas Verreault, William Monette e Alice Morel-Michaud

Alois Nebel

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Em duas ocasiões, o cineasta americano Richard Linklater manipulou a técnica do rotoscópio em dois longa-metragens em sua carreira, “The Walking Life” e “O Homem Duplo”. O procedimento consistiu em converter em animação as filmagens realizadas com atores de carne e osso. O resultado é impactante, mas há um risco: fazer um filme cujo visual contrapõe a narrativa. A produção tcheca “Alois Nebel”, que chegou a representar o país na última edição do Oscar, não foge à regra.

O personagem-título é um senhor que trabalha como despachante de uma estação ferroviária situada entre a Polônia e a Tchecoslováquia. Calado e antissocial, Alais é constantemente assombrado por fantasmas do passado até o momento em que perde a própria sanidade ao parar em um sanatório. Na alternância entre tempos, bem como o aparecimento de novos personagens secundários, desvendamos em Alais um indivíduo repleto de traumas não superados por conta de um episódio ocorrido em plena Segunda Guerra Mundial.

Embora ressalte que uma grande tragédia histórica sempre afetará as gerações seguintes, falta a “Alois Nebel” maior clareza no modo em como a história é contada. Não linear, ela também apresenta um personagem central cuja amargura impossibilita qualquer empatia, dificultando ainda mais o nosso interesse por algo além do visual, belo e soturno com todo o seu jogo de branco e preto, luz e sombra. Sabido que se trata de uma adaptação do livro em quadrinhos da dupla Jaroslav Rudiš e Jaromír 99, talvez “Alois Nebel” funcione melhor em seu formato original.

Título Original: Alois Nebel
Ano de Produção: 2011
Direção: Tomás Lunák
Roteiro: Jaromír Svejdík e Jaroslav Rudis
Elenco : Miroslav Krobot, Marie Ludvíková, Karel Roden, Leos Noha, Alois Svehlík, Tereza Vorísková, Ján Sedal, Miloslav Marsálek, Jirí Strébl, Marek Daniel, Klára Melísková, Jan Vondrácek, Karel Zima, Thomas Zielinski e Martin Mysicka

Pântanos

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Já em seus primeiros instantes, “Pântanos” apresenta um acontecimento natural, mas que poderá ser chocante para alguns. Trata-se de uma vaca dando à luz a um bezerro, que nasce morto. Filmada por Guy Édoin com todo o nervosismo que certamente rondaria um episódio como este, a cena pode provocar repulsa. No entanto, ela dá o tom de desalento que acompanhará toda a narrativa desta sua estreia como diretor de longa-metragem.

A história é centrada na família Santerre, que habita uma fazenda na região leste de Quebec. Marie (Pascale Bussières) e Pierre (François Papineau) são filhos de Simon (Gabriel Maillé), um jovem que está em uma fase em que sua vida é preenchida por inúmeras indecisões e que claramente desgosta das tarefas que tem que lidar diariamente. Uma vez apresentados com alguma minúcia, estes três personagens protagonizarão uma tragédia que proporcionará uma nova direção em suas vidas.

Na segunda etapa de “Pântanos”, os Santerre enfrentarão um impasse que não os leva apenas à falência, como também farão compreender melhor as duras adversidades constantemente presentes no ambiente que habitam. É aí que a obra de Guy Édoin encontra um limite, pois ele os desenvolve com embaraço.

Falta em “Pântanos” um desenvolvimento mais convincente do relacionamento de Marie com Jean (o sempre amedrontador Luc Picard, de “Messias do Mal”), um homem pelo qual ela parece se apaixonar e que claramente surge com más intenções. Ainda mais reparos seriam necessários para os instantes em que a isolação de Simon é mostrada junto com suas descobertas sexuais. Tudo isto contrasta com o primeiro ato promissor e a conclusão sombria, mas é possível enxergar no trabalho de Guy Édoin um autor de histórias densas, criando certa expectativa para o anúncio de um segundo longa-metragem.

Título Original: Marécages
Ano de Produção: 2011
Direção: Guy Édoin
Roteiro: Guy Édoin
Elenco: Pascale Bussières, Gabriel Maillé, Luc Picard, François Papineau, Angèle Coutu, Denise Dubois, Julien Lemire, Michel Perron, Guillaume Cyr, Valérie Blain, Nathalie Cavezzali e Sébastien Valade

Hemel

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Hemel, personagem-título do primeiro longa-metragem da holandesa Sacha Polak, é uma jovem que embarca em um processo autodestrutivo de relações sexuais com desconhecidos. Em um dos momentos iniciais da história, vemos Hemel flertando vários homens em uma balada até realmente chamar a atenção de algum que a levará para a cama. Uma vez chegado ao orgasmo, ela trata o parceiro com frieza, expulsando-o imediatamente de seu apartamento.

Comparado por parte considerável da crítica e público como a versão feminina para “Shame”, “Hemel” busca compreender a compulsão da protagonista por sexo casual ao narrar sua história em capítulos. O mistério começa a ser elucidado quando o foco é centralizado em seu cotidiano, especialmente quando conhecemos Gijs (Hans Dagelet), pai com o qual parece viver um relacionamento aberto – o afeto que um tem pelo outro, que por vezes resulta mais físico do que deveria, permite esta interpretação.

O retrato de Hemel é realizado de maneira bem íntima, algo obtido pela entrega da atriz Hannah Hoekstra, que se submete a ousadas cenas de nudez. No entanto, “Hemel” é um drama que causa indiferença pela forma como a realizadora, através do roteiro de Helena van der Meulen, constrói a personagem. Além de infantil e mimada, Hemel tem inúmeros defeitos que contrapõem o nosso interesse em compreender o que, enfim, a traumatiza ao ponto de se sentir incapaz de amar e ser amada. “Hemel” é um filme que só não é mais aborrecido porque tem uma curta duração.

Título Original: Hemel
Ano de Produção: 2012
Direção: Sacha Polak
Roteiro: Helena van der Meulen
Elenco: Hannah Hoekstra, Hans Dagelet, Rifka Lodeizen, Mark Rietman, Eva Duijvestein, Barbara Sarafian, Ward Weemhoff, Ali Ben Horsting, Abdullah el Baoudi, Elske Rotteveel e Maarten Heijmans

Barbara

36ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Antes da queda do Muro de Berlim, que dividiu a Alemanha em duas, possivelmente existiram pequenos episódios que renderiam muitas obras de ficção. “Barbara”, novo longa-metragem de Christian Petzold, não se inspira necessariamente em uma figura real, mas encena uma história que busca registrar a ânsia de indivíduos da socialista Alemanha Oriental impedidos de habitarem a capitalista Alemanha Ocidental.

Em interpretação contida, Nina Hoss vive a personagem-título, uma médica que se encontra presa na Alemanha Oriental de 1980 como punição por solicitar autorização para sair do país. Além do mais, ela tem como única alternativa trabalhar como cirurgiã pediátrica em um hospital interiorano. Mesmo apresentando uma frieza diante dos colegas de trabalho, André (Ronald Zehrfeld), que assume o mesmo plantão que Barbara, insiste em se aproximar dela.

A protagonista vive em constante estado de alerta. Marca encontros às escondidas com Jörg (Mark Waschke), o amante que prepara em ritmo lento a sua mudança para a Alemanha Ocidental. Aguardando por este momento, Barbara sempre é surpreendida por agentes da Stasi, organização formada pela polícia secreta e inteligência da República Democrática Alemã que a impede de seguir seus planos. Ela também age com desconfiança perante aqueles que a cercam, o que inclui o bem-intencionado André.

Representante da Alemanha ao Oscar 2013 e vencedor do Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim, “Barbara” busca desorientar o espectador como se ele estivesse visualizando uma história situada em um tempo indeterminado, causando aproximação. Ainda que acrescente tensão com a presença de Stella (Jasna Fritzi Bauer), uma menina explorada em um centro de detenção juvenil e pela qual Barbara tem compaixão, o drama parece diluir todas as angústias de uma Alemanha ainda não reunificada não apenas ao destacar cada vez mais a protagonista cedendo às investidas de André, mas também pela condução excessivamente formal de Christian Petzold.

Título Original: Barbara
Ano de Produção: 2012
Direção: Christian Petzold
Roteiro: Christian Petzold e Harun Farocki
Elenco: Nina Hoss, Ronald Zehrfeld, Mark Waschke, Jasna Fritzi Bauer, Rainer Bock, Christina Hecke, Claudia Geisler, Deniz Petzold e Rosa Enskat