Resenha Crítica | O que os Homens Falam (2012)

O que os Homens Falam | Una pistola en cada mano

37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Se as mulheres são classificadas como figuras frágeis e apaixonantes e os homens, difíceis e cafajestes, é porque o cinema do gênero comédia romântica ajudou a consolidar esses perfis. Porém, as mulheres reais mostram nem sempre são reprises de Bridget Jones e os homens dificilmente agregam aquele charme sem-vergonha de um Hugh Grant.

Se é difícil identificar uma mudança desse modelo na cinematografia americana, os argentinos dão conta do recado com “O que os Homens Falam”, uma espécie de coletânea de cinco histórias dirigidas por Cesc Gay. As mulheres são presenças importantes no filme, mas, como o título entrega, o foco são os homens e a quebra de cada um dos mitos relacionadas em suas interações privadas.

Para fazer com que a plateia masculina se identifique com cada relato ao mesmo tempo em que a feminina gargalha com cada uma das saias justas encenadas, o também roteirista Cesc Gay e Tomàs Aragay batiza cada um dos personagens com apenas a primeira letra do nome. Na primeira história, J. (Leonardo Sbaraglia) consola E. (Eduard Fernández), sujeito sem grana que voltou a morar com a mãe após um relacionamento desfeito. A seguir, S. (Javier Cámara) finalmente põe em prática o discurso que tanto ensaiou para a sua ex-mulher Elena (Clara Segura).

Fãs do astro argentino Ricardo Darín têm uma razão para aguardar com ansiedade a terceira história de “O que os Homens Falam”, que o traz como G., um homem de meia-idade que segue os passos de sua esposa com a intenção de flagrar uma pulada de cerca. A seguir, P. (Eduardo Noriega) parece decidido em trair sua mulher com uma colega de trabalho para o qual nunca deu atenção, Mamen (Candela Peña). Por fim, M. (Jordi Mollà) e A. (Alberto San Juan) são melhores amigos que descobrem segredos um do outro através de suas respectivas parceiras, Maria y Sara (Leonor Watling e Cayetana Guillén Cuervo).

De tão críveis, é difícil definir qual a melhor história de “O que os Homens Falam”. Em todas elas, o homem é visto como verdadeiramente é. Cada um dos personagens lida com tormentos relacionados à infidelidade, à vida sexual, à instituição familiar, à velhice e aos receios em tornar tudo isso explícito demais para outras pessoas. É desnecessária a conexão que se estabelece entre a maioria desses personagens no último ato de “O que os Homens Falam”, mas até aí já fomos brindados com relatos francos sobre o homem contemporâneo.

Una pistola en cada mano, 2012 | Dirigido por Cesc Gay | Roteiro de Cesc Gay e Tomàs Aragay | Elenco: Leonardo Sbaraglia, Eduard Fernández, Javier Cámara, Ricardo Darín, Luis Tosar, Eduardo Noriega, Jordi Mollà, Alberto San Juan, Clara Segura, Leonor Watling e Cayetana Guillén Cuervo | Perspectiva Internacional

Resenha Crítica | Tatuagem (2013)

Tatuagem

37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Desde 1997 trabalhando como roteirista de filmes como “Baile Perfumado”, “A Festa da Menina Morta” e “Febre do Rato”, Hilton Lacerda finalmente se lança na direção solo de um longa-metragem que evidencia a força que o cinema pernambucano vem mostrando em um circuito disputado. Algo a se comemorar, pois “Tatuagem” é bom e faz por merecer os prêmios que vem acumulando desde que iniciou sua carreira em festivais de cinema brasileiro deste ano.

Embora seja ambientado em 1978, ano em que a Ditadura Militar ainda resistia, não é intenção de “Tatuagem” encenar torturas ou conflitos armados. O que se vê é uma recriação das memórias da juventude de Hilton Lacerda, que à época testemunhou as intervenções do grupo de teatro Vivencial. Na ficção, o nome foi trocado para Chão de Estrelas, trupe anarquista liderada por Clécio (Irandhir Santos, de “O Som ao Redor“).

Intervenções do Chão de Estrelas são mostradas ao mesmo tempo em que a narrativa busca desvendar um pouco da vida particular de Clécio, que antes de assumir sua homossexualidade tinha uma história sem ambições artísticas com uma mulher –  um menino foi concebido neste relacionamento. Com um relacionamento aberto com Paulete (o estreante Rodrigo García, impagável), Clécio flerta com Fininho (Jesuita Barbosa, que estará em “Trash”, de Stephen Daldry), jovem soldado de 18 anos.

A independência com que os artistas do Chão de Estrelas vive em tempos de chumbo permite que “Tatuagem” se imponha como uma história sobre a busca em viver sem amarras. Não são ousadas somente a troca de carícias entre Irandhir Santos e Jesuita Barbosa, como também os números para lá de pitorescos do Chão de Estrelas. Ao se entregar de corpo e alma à proposta de Hilton Lacerda, o elenco faz com que “Tatuagem” se transforme em um grito de liberdade subversivo contra um indesejável controle estabelecido.

Tatuagem, 2013 | Dirigido por Hilton Lacerda | Roteiro de Hilton Lacerda | Elenco: Irandhir Santos, Jesuita Barbosa, Rodrigo García, Ariclenes Barroso, Johnny Hooker, Nash Laila, Sylvia Prado e Sílvio Restiffe | Distribuidora: Imovision | Mostra Brasil

Resenha Crítica | Instinto Materno (2013)

Instinto Materno | Pozitia copilului

37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

No cinema é comum a figura materna ser exaltada em uma trama que a coloque diante de inúmeros dilemas para proteger a sua cria. A dureza é maior quando um filho se envolve em algo que possa comprometê-lo, como um acidente ou um crime.  Cada vez mais evidente no mundo, o cinema romeno oferece uma perspectiva realista desse modelo de história com “Instinto Materno”, que será lançado comercialmente no Brasil no ano que vem pela distribuidora Imovision.

Cornelia Keneres (Luminita Gheorghiu, que esteve em “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” e “Casamento Silencioso”, dois expoentes do cinema romeno contemporâneo) é uma senhora com aproximadamente 60 anos que ainda não aceitou a distância entre ela e seu filho Barbu (Bogdan Dumitrache), já amadurecido e casado. O seu fervor em exercer o papel de mãe quase obsessiva é despertado quando Barbu é apontado como o responsável pelo atropelamento de uma criança.

De comportamento intragável, Barbu se revela desde o início culpado pela tragédia. Afinal, conduzia seu veículo em alta velocidade e não está interessado em nada além de sair impune da acusação emitida pela família da vítima. Embora rejeitada por Barbu, Cornelia não mede esforços para auxiliá-lo, o que inclui recorrer a métodos ilegais para livrá-lo da prisão.

Aos 38 anos, Calin Peter Netzer chega ao seu terceiro longa-metragem como diretor apresentando dificuldades em conduzir um projeto de baixo orçamento. Embora confira urgência à narrativa, a sua câmera na mão provoca um efeito de desleixo, a exemplo de uma cena noturna de interação ambientada em um carro em movimento onde pouca coisa se vê. Felizmente, o filme conta com o trabalho bárbaro de Luminita Gheorghiu, representando uma mãe que se encontrará em uma encruzilhada capaz de não fazê-la se sujeitar a todos os sacrifícios para assegurar a integridade de seu filho.

Pozitia copilulu, 2013 | Dirigido por Calin Peter Netzer | Roteiro de Calin Peter Netzer e Razvan Radulescu | Elenco: Luminita Gheorghiu, Bogdan Dumitrache, Natasa Raab, Ilinca Goia, Florin Zamfirescu, Vlad Ivanov, Mimi Branescu, Cerasela Iosifescu, Adrian Titieni, Tania Popa e Isfan Alexandru | Distribuidora: Imovision | Perspectiva Internacional

Dark Blood

Dark Blood

37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Produções como “De Olhos Bem Fechados”, “O Corvo” e “Batman – O Cavaleiro das Trevas” por pouco foram ameaçadas com o falecimento repentino de um de seus principais alicerces. Se Stanley Kubrick partiu pouco tempo após concluir suas responsabilidades como diretor de “De Olhos Bem Fechados”, uma série de ajustes permitiram que as adaptações de quadrinhos “O Corvo” e “Batman  – O Cavaleiro das Trevas” sobrevivessem, respectivamente, com a morte acidental de Brandon Lee e a overdose de Heath Ledger. “Dark Blood” não contou com a mesma sorte, pois seu protagonista River Phoenix morreu quando ainda faltavam três semanas para a conclusão das filmagens.

Realizador das duas versões de “O Silêncio do Lago”, o francês George Sluizer teve de interromper o processo de construção de “Dark Blood”, uma vez que não visualizou um modo de seguir com as filmagens sem a presença de seu astro. Sem dirigir um longa-metragem desde 2002, Sluizer se viu enfermo e sem muito que fazer. Veio assim o desejo de rever o material de “Dark Blood”, originalmente filmado em 1993 e que agora é exibido de modo inacabado.

A história é simples. Harry Fisher (Jonathan Pryce) é um ator de cinema que já não vive momentos de glória. Há quase dois anos sem trabalhar, Harry decide fazer uma viagem com a sua esposa Buffy (Judy Davis) com a intenção de negociar sua participação em um projeto com roteiro de gosto duvidoso. O trajeto envolve as estradas do Arizona e é por lá que o carro do casal decide parar de funcionar.

Embora seja imediatamente socorrido por um rapaz (Lorne Miller) que não diz uma palavra (e cuja mãe é interpretada por Karen Black, que faleceu recentemente), o casal enfrenta novos transtornos quando o veículo teima em pifar outra vez no dia seguinte. Desta vez, será um personagem creditado como Boy (interpretado por River Phoenix) que os ajudarão – ou atrapalharão, pois o sujeito mostra ter um comportamento instável e demora mais do que deveria para consertar o carro de Harry e Buffy.

Para economizar tempo e dinheiro, é costume uma produção seguir um cronograma que vai de encontro com a narrativa. Portanto, os últimos minutos de um longa-metragem podem ser filmados no início ou meio da produção. Ainda assim, George Sluizer se viu sem o registro de acontecimentos cruciais no roteiro de “Dark Blood”. Para tapar os buracos, o realizador utilizou um método eficiente: congelar a tela e narrar o que não foi encenado.

Além de servir como modelo de estudo sobre a construção de um filme, “Dark Blood” também é um material curioso que ganha às telas de cinema após quase duas décadas engavetado. Cessam aí as virtudes de um filme em sua essência fraquíssimo e terrivelmente escrito. O trio de talentosos protagonistas é incapaz de conferir credibilidade a papéis confusos (nunca sabemos se Buffy ama ou odeia Harry e se sente atração ou repulsa por Boy) e a violência progressiva dá espaço para uma resolução absurda em que todos saem impunes. Nem as paisagens do deserto são capturadas de modo a causar tensão devido à ameaça que oferecem por terem servido de cenário para testes nucleares. Talvez fosse melhor que George Sluizer prosseguisse com o seu filme trancado a sete chaves.

Dark Blood, 2012 | Dirigido por George Sluizer | Roteiro de Jim Barton | Elenco: River Phoenix, Jonathan Pryce, Judy Davis, T. Dan Hopkins, Karen Black, John Trudell, Julius Drum, Rodney A. Grant, George Aguilar e Lorne Miller | Perspectiva Internacional

A Montanha Matterhorn

A Montanha Matterhorn | Matterhorn

37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Localizada na fronteira entre Suíça e Itália, a montanha Matterhorn carrega um valor místico por ser a última a ser escalada dos Alpes. De forma triangular, Matterhorn provoca um fascínio misterioso no protagonista da história do primeiro longa-metragem do holandês Diederik Ebbinge, Fred (Ton Kas).

Senhor pacato com uma rotina repetitiva e monótona, Fred passou a resumir sua vida solitária com visitas à igreja situada em seu bairro e consumir uma única opção de jantar cerimoniosamente às 18h. Para mudar sua rotina, Theo (René van ‘t Hof), outro senhor de meia-idade, mas com alguns parafusos a menos, é rapidamente inserido na vida de Fred quando este o adota para viver em sua residência.

A atitude inesperada tomada por Fred o faz ser visto com maus olhos pelos seus veteranos colegas de igreja, que não concordam em vê-lo compartilhando o mesmo teto com um estranho desequilibrado. Fred dá de ombros e até inicia com Theo um bem-sucedido negócio como animadores de festas infantis. O dinheiro arrecadado permite que Fred consiga planejar sua desejada viagem para Matterhorn, montanha que tem forte ligação com o seu passado.

Com o apoio de seus grandes atores principais, “A Montanha Matterhorn” lida com o desejo que muitas pessoas com a idade mais avançada têm de fugir das convenções. Antes um notável exemplo de homem de caráter diante de seus vizinhos conservadores, Fred vê com a chegada de Theo a chance de mostrar quem verdadeiramente é e de acertar um assunto mal resolvido com uma pessoa cuja existência passou a ignorar. A escolha de contar essa história com leveza excessiva garante a sensação de que Diederik Ebbinge parece temer a possibilidade de lidar com grandes questionamentos, algo que impede que o resultado seja mais expressivo.

Matterhorn, 2013 | Dirigido por Diederik Ebbinge | Roteiro de Diederik Ebbinge | Elenco: Ton Kas, René van ‘t Hof, Ko Aerts, Kees Alberts, Lucas Dijker, Porgy Franssen, Alex Klaasen, Elise Schaap e Ariane Schluter | Competição Novos Diretores

Olhos Frios

Olhos Frios | Gam-si-ja-deul

37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Qualquer espectador sabe que não há um cinema que produza obras mais autênticas do que o coreano. Seja você seguidor ou mero curioso, o resultado jamais será algo sem personalidade. Isto também se aplica em títulos que pendem mais para o entretenimento do que para a narrativa preenchida por camadas a serem descortinadas. Dirigido pela dupla Jo Ui-seok e Kim Byeong-seo, “Olhos Frios” é um exemplo perfeito de diversão garantida.

Refilmagem de um longa-metragem rodado em Hong Kong em 2007, “Olhos Frios” inicia com um assalto ambicioso a um banco coordenado por James (Jung Woo-sung), astuto criminoso que jamais foi capturado. Depois de mais um roubo bem-sucedido, o Departamento de Crimes Especiais vê que chegou a hora de recrutar um novo membro que seja capaz de antecipar os passos de James para finalmente detê-lo.

Ha Yoon-joo (Han Hyo-joo) tem um dom tão especial que muitos poderiam até mesmo considerá-la uma mutante. Ao direcionar os seus olhos para qualquer cenário, Ha Yoon-joo é capaz de descrever com uma riqueza de detalhes todas as pessoas e objetos inseridos. É a novata perfeita para Hwang (Sol Kyung-gu), chefe de uma unidade do Departamento de Crimes Especiais especializada em atividades de vigilância.

O ritmo frenético da ação provoca um pouco de exaustão antes da reta final da história, pois a dupla de diretores busca sempre colocar as câmeras em movimento, ora através de planos circulares, ora através de inúmeras perspectivas diante de um mesmo episódio. A inquietação não traz prejuízos a “Olhos Frios” porque o interesse felizmente recaiu no carisma dos personagens principais e aquele humor sempre inserido com perspicácia pelos realizadores coreanos.

Gam-si-ja-deul, 2013 | Dirigido por Jo Ui-seok e Kim Byeong-seo | Roteiro de Jo Ui-seok, baseado no longa-metragem “Gun chung”, escrito por Au Kin-Yee e Yau Nai-Hoi | Elenco: Sol Kyung-gu, Jung Woo-sung, Han Hyo-ju, Jin Gyeong, Lee Jun-ho e Yam Simon | Foco Coreia

Avanti Popolo

Avanti Popolo

37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Além de ser um dos mais importantes cineastas que o cinema brasileiro já teve, Carlos Reichenbach é também um grande personagem. Falecido em 14 de junho de 2012 com 67 anos, Reichenbach envelheceu como um artista que estampava em sua fisionomia os traços de alguém que viveu intensamente e com muitas histórias para compartilhar. Como ator, mostra-se o maior trunfo de “Avanti Popolo”.

A história registra o reencontro entre um pai (Reichenbach) e um de seus dois filhos, André (André Gatti), que acaba de se divorciar. Há um choque nesta relação reestabelecida, pois é evidente a diferença do estilo de vida entre esses dois personagens. Isso é percebido na dificuldade de André em se adaptar na velha residência em que seu pai vive com uma cachorra de estimação chamada Baleia. Trata-se de um ambiente castigado pela passagem do tempo e totalmente bloqueada para a passagem de luz natural.

Uruguaio-israelense radicado em São Paulo, o diretor e roteirista Michael Wahrmann, que estreia aqui na condução de longa-metragem, se aproveita de alguns artifícios para intensificar o seu drama. Existe o apego tanto pelos ambientes externos em que os personagens transitam quanto o cenário principal, praticamente um terceiro protagonista da história. Já o cinema e a música se manifestam como artes que preservam o sentimento de saudade.

Trata-se de um filme sobre o duro relacionamento entre pais e filhos. Mais precisamente, sobre um filho sem horizonte que busca enaltecer as lembranças de um pai ainda abalado com o desaparecimento de um outro filho desde os tempos da Ditadura. No entanto, ainda que a ilustre presença de Carlos Reichenbach enriqueça essa proposta, há a ausência de uma direção mais firme em “Avanti Popolo”. O alívio cômico proporcionado pela cena do “Dogma 2002” não resulta eficaz ao ser prolongada e Michael Wahrmann não é feliz nos planos que utiliza para registrar a rotina sem novidades de seus personagens, algo que compromete inclusive a compreensão de alguns diálogos, quase inaudíveis.

Avanti Popolo, 2012 | Dirigido por Michael Wahrmann | Roteiro de Michael Wahrmann | Elenco: André Gatti, Carlos Reichenbach, Eduardo Valente, Marcos Bertoni, Paulo Rigazzi, Mariah da Penha, Júlio Martí, Michael Wahrmann e Estopinha | Distribuidora: Vitrine Filmes | Mostra Brasil

Os Filhos do Padre

Os Filhos do Padre | Svecenikova djeca

37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Fazer uma maratona na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo proporciona inúmeras experiências. Entre elas, há a chance de rever grandes clássicos do cinema através das retrospectivas, ver com antecedência as obras mais badaladas em festivais de cinema e ter acesso a filmes que jamais pintarão em nosso circuito comercial ou mesmo em homevideo. O que também não falta na programação é ao menos um título que traga uma premissa para lá de exótica. Na 37ª edição da Mostra, não há filme que defenda melhor esta categoria do que “Os Filhos do Padre”.

Veja só a premissa. Fabijan  (Kresimir Mikic) é um padre com a missão de realizar missas em uma igreja situada em uma vila da Dalmácia. Ao adaptar-se rapidamente no local, Fabian fica barbarizado com um fato: não há o registro de nenhum nascimento. Em contrapartida, a lista de falecidos só aumenta. Este cenário muda a partir do momento que um ingênuo sujeito chamado Petar (Niksa Butijer) decide se confessar para ele.

Petar é um comerciante cujos lucros advém com a venda exorbitante de preservativos. Isto o faz se considerar um mostro, pois acredita fazer um mal a humanidade vendendo daquilo que impede a gravidez. Não somente para aliviar a consciência de Petar, o padre Fabijan decide tomar uma atitude inacreditável: espetar com uma agulha todos os preservativos antes de Petar pô-los à venda.

Quinto longa-metragem de Vinko Bresan e primeiro a ser exibido no Brasil, “Os Filhos do Padre” sabe fazer humor esperto com sua proposta ao mesmo tempo bizarra e polêmica. Há um esforço em não centrar a história somente na ação do padre Fabijan, bem como em qualquer discussão que relacione a gravidez com a fé católica.

Ainda que a música de Mate Matisic canse ao pontuar os instantes em que o riso deve chegar ao ápice (o uso sem moderação de saxofone em uma comédia nunca foi uma boa escolha), o roteiro explicita todas as implicações originadas com este “milagre” operado no índice de natalidade infantil em Dalmácia. Afinal, ao contrário do que o padre Fabijan  inicialmente supõe, conceber um filho não é uma dádiva almejada por todos os casais.

Svecenikova djeca, 2013 | Dirigido por Vinko Bresan | Roteiro de Vinko Bresan | Elenco: Kresimir Mikic, Niksa Butijer, Marija Skaricic, Inge Appelt, Petar Atanasoski, Ana Begic, Mile Blazevic, Goran Bogdan, Zdenko Botic, Niko Bresan, Vinko Bresan, Ivan Brkic, Dusan Bucan e Senka Bulic | Perspectiva Internacional

Resenha Crítica | Las analfabetas (2013)

Las analfabetas

 37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Aparentemente, não houve grandes desafios na adaptação da peça “Las analfabetas” para o cinema. Afinal, o diretor e roteirista Moisés Sepúlveda se apropria da peça de Pablo Paredes sem fazer alterações expressivas. No cinema, “Las analfabetas” mantém a estrutura teatral, as atrizes e a objetividade do material original – com aproximadamente 70 minutos de duração, o longa-metragem passa voando.

“Las analfabetas” inicia com Ximena (Paulina García, atriz veterana que dará muito que falar após o lançamento comercial de “Gloria”, drama para o qual foi laureada com o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim) se deparando com um aviso estampado em um cartaz em frente à igreja que frequenta. Ela solicita a pessoa mais próxima que diga para ela o que está escrito, pois alega ter esquecido seus óculos em casa. Uma mentira que sempre recorre para esconder o fato de que não sabe ler.

Embora já tenha passado dos cinquenta anos, Ximena vê que ainda não é tarde para aprender a ler e a escrever. Para isso, aceita ter aulas particulares com Jackeline (Valentina Muhr, que se parece com a australiana Rose Byrne), jovem recém-formada que ainda não conseguiu atuar profissionalmente como professora. O relacionamento entre ambas é complicado, pois Ximena a todo o momento busca se esquivar da didática em troca das leituras que Jackeline faz das principais notícias publicadas em um jornal diário.

Há novidades na velha dinâmica que se estabelece entre professora e aluna em “Las analfabetas”. Além da grande diferença de idade entre as protagonistas, Jackeline prova que tem um conhecimento avançado sobre a língua, mas que está longe de ter a mesma experiência de vida de Ximena. Trata-se de uma história modesta e bonita sobre como essas mulheres irão suprir o vazio uma da outra e que só é comprometida ao não preencher apropriadamente algumas lacunas quanto à ausência do afeto familiar.

Las analfabetas, 2013 | Dirigido por Moisés Sepúlveda | Roteiro de Moisés Sepúlveda e Pablo Paredes| Elenco: Paulina García e Valentina Muhr | Competição Novos Diretores

Resenha Crítica | Príncipes da Estrada (2013)

Prince Avalanche

37ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Embora os letreiros iniciais de “Príncipes da Estrada” informem que 43 mil hectares de uma floresta no Texas foram queimados por um incêndio misterioso em 1987 e que lares e vidas foram destruídos, isto não serve exatamente de premissa para esta produção indie do diretor americano David Gordon Green, especialista em alternar projetos pequenos com produções cômicas hollywoodianas.

“Príncipes da Estrada” é sobre Alvin (Paul Rudd) e Lance (Emile Hirsch), dois sujeitos errantes que trabalham em rodovias fazendo faixas para passagem de veículos e pedestres. Por ser marido da irmã de Lance, Alvin acaba dando um jeito de contratá-lo como o seu auxiliar. Inevitavelmente, a solidão em lidar com um serviço repetitivo fará com que eles acertem alguns ponteiros, pois Alvin está tendo problemas em seu relacionamento e Lance tem dificuldades de se endireitar na vida.

O fato de os protagonistas pintarem faixas em quilômetros de estrada não passa de metáfora pronta para “Príncipes da Estrada”. Para camuflar a obviedade disso, David Gordon Green, que adapta um longa-metragem islandês produzido em 2011, insere um ou outro personagem secundário que representa o renascer de um local recentemente abatido por uma tragédia de grandes proporções.

Ainda que tenha filmado “Príncipes da Estrada” com pouca grana (o orçamento sequer atinge 1 milhão de dólares) e extraído o melhor de sua dupla de talentosos protagonistas, David Gordon Green permanece um artista imaturo. São vários os instantes em que ele não se contem em recorrer aquele bromance típico daquelas comédias que assinou anteriormente, como “Segurando as Pontas”. Sem dizer que os terrenos aqui, moldados do arrependimento até a redenção, já foram exaustivamente explorados em inúmeras produções da mesma linha. Surpreende o fato de um trabalho sequer razoável ser capaz de obter o Urso de Prata de Melhor Diretor em Berlim.

Prince Avalanche, 2013 | Dirigido por David Gordon Green | Roteiro de David Gordon Green, baseado no longa-metragem “Á annan veg”, de Hafsteinn Gunnar Sigurðsson | Elenco:  Paul Rudd, Emile Hirsch, Lance LeGault, Joyce Payne, Gina Grande, Larry Kretschmar, Enoch Moon, David L. Osborne Jr., Danni Wolcott e voz de Lynn Shelton| Perspectiva Internacional